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19/07/2013

Porque não cabe regulação (ou regulamentação) do Factoring pelo Banco Central do Brasil

Antes quero manifestar meu respeito e admiração pela instituição Banco Central do Brasil e seus técnicos, graças a quem temos um dos sistemas financeiros mais seguros e respeitados do mundo.

A economia brasileira, em regra, é livre e sustentada pela livre concorrência e não intervenção direta do estado, conforme art. 170 da Constituição Federal, salvo quando determinada atividade for de interesse nacional ou de relevante interesse coletivo. Como exemplos, tem-se a exploração e comercialização do petróleo, da energia elétrica, das telecomunicações, dos planos de saúde e dos seguros. Em todas essas atividades percebe-se uma relevância que ultrapassa as partes envolvidas diretamente nos negócios. Por isso o estado, responsavelmente, entra com a regulação, através das conhecidas agências reguladoras.
A atividade financeira, em especial a bancária, sofre regulação e fiscalização do Banco Central do Brasil (BACEN), em razão, principalmente, da necessidade de defesa e formação da poupança popular, pois os bancos, intermediários entre poupadores e tomadores, utilizam recursos de grande parte da população. Ou seja, se uma instituição financeira entrar em falência não é somente o banqueiro que perde seus recursos, mas também todos aqueles que aplicaram suas economias no banco insolvente. Esse aspecto legitima o grande interesse do estado em criar mecanismos regulatórios, que visam à segurança dos agentes integrantes do setor.

Em razão dessa possibilidade de captação de recursos, as instituições financeiras atuam de forma alavancada(*), o que impossibilita, aos seus credores, o recebimento imediato de seus empréstimos e depósitos em conta corrente realizados ao banco. Se por algum motivo os depositantes ou poupadores desconfiarem da saúde financeira da instituição, grande parte deles tentará sacar imediatamente seus recursos, gerando a chamada corrida bancária. Como não haverá caixa para todos, a instituição certamente entrará em colapso, ainda que seu patrimônio líquido seja positivo.

Também, as instituições financeiras, na maioria das vezes, emprestam recursos entre si, no chamado mercado interbancário. Dessa forma se uma instituição financeira torna-se insolvente, além de não pagar seus poupadores, deixará de pagar as instituições financeiras, que dependendo do grau de concentração, podem também tornar-se insolventes e não pagar seus poupadores. Esse é o chamado efeito dominó, que pode ocasionar o colapso não só do sistema financeiro como de toda a economia.

Além disso, algumas instituições financeiras integram o Sistema de Pagamentos Brasileiro – SPB, onde a pessoas fazem a transferência de recursos e pagamentos de suas contas. Se a instituição transferente entrar em insolvência, a parte beneficiária fica sem receber os pagamentos dos seus devedores. Assim, não só os credores diretos das instituições financeiras são prejudicados pelas suas insolvências, mas também terceiros que vislumbravam receber créditos comerciais, não provenientes do sistema financeiro.


Outras atividades, que fogem do conceito tradicional de intermediação financeira, têm algumas características que justificam a regulação do BACEN. Por exemplo, as administradoras de consórcios, que, através dos grupos por elas criados, captam recursos para a compra futura de bens e serviços. Assim mesmo não havendo uma intermediação, existe um apelo à poupança popular e o consequente risco dos consorciados perderem seus recursos investidos.

Outro exemplo atual é o da regulação sobre as empresas de cartão de crédito, que se justifica, principalmente, pela impossibilidade de repassar os pagamentos aos comerciantes, sobre compras feitas por consumidores, caso a empresa de cartões de crédito administrar mal seus recursos e falir. Este é um mercado que também envolve diversos agentes em suas transações, gerando assim um risco sistêmico.

A operação das factorings, por sua vez, não apresenta motivação para regulação estatal, através do BACEN ou de qualquer outro órgão, pelos motivos as seguir:

São empresas mercantis que trabalham com capital próprio, sem efetuar qualquer captação de recursos diretamente da poupança popular e até mesmo de investidores qualificados. Quando tomam recursos emprestados, o que não é da sua essência, recorrem às instituições financeiras, que já são reguladas pelo BACEN. Portanto, se uma factoring gerir mal seus recursos, comprando recebíveis de baixa qualidade, somente os sócios da factoring arcarão com as consequências da insolvência.

Por não receberem depósitos do público, não existe qualquer risco de possível prejuízo à política monetária instituída pelo Conselho Monetário Nacional, porque não gera a denominada moeda escritural ou multiplicador de moeda, onde os depositantes transferem recursos, sem que estes realmente estejam representados por papel moeda.

Além disso, não existe um mercado “interfactoring”, em que as factorings tomariam recursos umas das outras. Assim, a falência de uma factoring não influência na saúde financeira de outra, ou seja, a má gestão de uma factoring não é capaz nem de gerar prejuízo ao próprio setor de factoring. Portanto, não há de se falar em risco sistêmico gerado por factoring.

Da mesma forma, a simples razão das factorings atuarem na compra de direitos creditórios, antecipando recursos aos seus clientes, não justifica a submissão às regras emanadas pelo BACEN, porque esse crédito concedido é realizado de uma maneira eminentemente comercial. Se entendido o contrário, toda e qualquer empresa que realiza suas vendas a prazo deveria também ser regulada pelo BACEN, o que extrapolaria os objetivos da instituição e ao conceito de regulação da economia.

Uma eventual regulação do mercado de factoring certamente teria como resultado principal um prejuízo à principal característica do setor: a existência de factorings pequenas, que trabalham em caráter regional. Pequenas estruturas certamente não têm capacidade para arcar com os custos regulatórios, tais como o envio regular de informações, interpretação de normas emitidas e auditoria de informações financeiras. Não haveria outra saída para uma empresa de factoring que não encerrar suas atividades ou recorrer a fusões forçadas. Portanto perderiam as factorings e perderiam seus clientes, devido a provável saída de inúmeras factorings do mercado.

Sabe-se que o BACEN atualmente regula diversas atividades integrantes do sistema financeiro nacional e que se encontra, de certa maneira, sobrecarregado. Conseguir-se-ia imaginar o BACEN regulando e fiscalizando milhares de factorings espalhadas por todo país?

Isso acarretaria a perda de foco do BACEN, prejudicando a sua atuação em setores que realmente precisam ser normatizados e um consequente desperdício de recursos públicos, transferência de orçamento de áreas relevantes ou, aumento da sua estrutura, onerando ainda mais os contribuintes, sem um razoável fundamento.

Ao final, importante notar que a existência de isoladas e raras fraudes no setor de Factoring ou com uso indevido da atividade não justifica a regulação pelo BACEN, o que nunca prejudicou, de forma macroeconômica, a economia brasileira. Evitar esses fatos, incomuns e isolados, é de competência das polícias federal e civil, do ministério público e do Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF. Assim, se é desejado impedir o uso ilícito de factorings, o que seria uma nobre e aplaudível intenção, deve-se investir no aparelhamento dessas entidades, e não do BACEN, que deve focar-se na nobre missão de atuar exclusivamente nos segmentos de relevância ao sistema financeiro nacional.

Portanto, não existem justificativas razoáveis para que o BACEN passe a regular o setor de Factoring, que deve seguir como uma atividade exclusivamente mercantil desregulada. Do contrário, as factorings, principalmente as pequenas, e os seus clientes estariam prejudicados por uma intervenção estatal imotivada, sendo o Factoring um setor que não gera riscos sistêmicos e à poupança popular. Assim, entende-se que qualquer medida que busque a intervenção do BACEN às factorings deve ser evitada.

(*) Índice mínimo de Basiléia – O BACEN determina que o capital próprio do banco seja de no mínimo 11% do volume de negócios.

Germano Brendler
Administrador
Empresário do Factoring
Sócio da Braxel Fomento Mercantil Ltda
Porto Alegre, 19/07/13

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